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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Solução ou problema?


A proposta de criação da CMF Contribuição sobre Movimentação Financeira, deve ser avaliada no quadro das estratégias de políticas públicas adotadas no Brasil, nos últimos anos. Portanto, dentro de contexto mais amplo, que ultrapassa o aspecto de possível solução, localizada, para a saúde brasileira.

A CMF busca reproduzir a experiência do IPMF, um imposto que distorceu o caráter da proposta do Imposto Único. Quando escrevi sobre ela pela primeira vez, em janeiro de 1990, nunca me ocorreu que o oportunismo da burocracia brasileira fosse capaz de deformá-la tanto. Atraída, tão-somente, pela ganância de maior arrecadação, ignorou a simplicidade, a transparência, a incidência mais equânime e o baixo custo, virtudes inerentes ao modelo de unicidade tributária que lhe dera origem. Como odioso estuprador, o governo encantou-se apenas com o lado exterior da vítima a facilidade arrecadatória e coroou sua violência, substituindo o sonho de um só imposto pelo pesadelo de um imposto a mais.

Não há, assim, como deixar de criticar a criação de mais um imposto ou contribuição sobre transações financeiras, independentemente de sua justificativa ou da qualidade moral e profissional de seu defensor. Nem o passo atrás que a vinculação das receitas da CMF representa, diante das modernas práticas administrativas que se quer implantar no país.

Ou o reforço que ela dá ao cômodo hábito do administrador público brasileiro de, sempre, procurar mais recursos para superar desequilíbrios de caixa, em lugar de dedicar-se à contenção e racionalização de gastos, à qualificação e motivação do servidor público e ao combate à corrupção. Ainda pior é a abertura de grave precedente. Se o saneamento, o transporte ou a educação áreas, também, prioritárias e carentes do setor público necessitam de recursos, por que não criar novos tributos para supri-los?

Entretanto, muitas das críticas à proposta da CMF são preconceituosas e fruto de total desinformação. Condena-se os impostos sobre transações financeiras como inflacionários, regressivos e cumulativos seja o IPMF, a CMF ou o Imposto Único. Ora, a experiência do IPMF provou, exatamente, o contrário. A receita de cerca de US$ 6 bilhões em 1994 evidenciou o seu vigor, seu fácil e baixo custo de arrecadação. Com alíquota de 0,25% sobre as movimentações financeiras, sua receita foi a metade da gerada pelo IPI, sem as perturbações e a burocracia dos tributos tradicionais.

Provou ser o tipo de imposto absolutamente infenso à sonegação, que alcança todos os contribuintes. Logo, mais justo e menos regressivo do que os impostos declaratórios. Sem esquecer que o pior, mais injusto e regressivo imposto é o que é sonegado. A afirmação de que a CMF é inflacionária é quase caricatural. Como se todos os tributos, cujo impacto nos preços seja sancionado pelo mercado, ainda que diretos e não-cumulativos, não fossem inflacionários! Dizer, então, que a alíquota de 0,25% representa carga tributária mais alta com inflação baixa (como hoje) do que com inflação alta (como a que se viu em 1994) revela completa ignorância. Pois o imposto incide, estática e instantaneamente, sobre o valor da operação. Portanto, sua carga independe da inflação, que reflete o aumento dinâmico dos preços.

Em suma, intrinsecamente, a CMF tem inegáveis qualidades. Só que, nas atuais circunstâncias, sua aplicação é, totalmente, inaceitável. Ainda que chamado de contribuição, o novo encargo é, tipicamente, um imposto, já que não encena qualquer objetivo de transferência direta de renda, como é de se esperar de contribuições sociais.

De tudo, destaca-se o empenho do ministro Adib Jatene, no encaminhamento da solução financeira do setor da saúde, constituindo um dos raros episódios em nossa história recente, no qual um político, mesmo ao custo de enorme desgaste, abdica de seus interesses pessoais para assumir a defesa do bem-estar público, principalmente, dos cidadãos menos afortunados.

 




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