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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Aposta perigosa


Os planos de estabilização anteriores tiveram erros que a atual equipe econômica busca evitar. Foram descartados os congelamentos de preços, bem como regras abruptas e compulsórias de conversão de preços. Tenta-se contornar eventuais bolhas de consumo, juros reais negativos e outras falhas observadas em programas anti-inflacionários anteriores.

Contudo, o plano repete um equívoco já vivido antes: a suposição de inflação zero, ou próxima de zero. É verdade que as autoridades econômicas não dizem abertamente que esperam taxas inflacionárias nulas, como foi feito no Plano Cruzado. Mas fica implícito que há esta expectativa.

Desde a criação da URV, o governo proibiu novos contratos com reajustes inferiores a 12 meses; da mesma forma, a política de indexação salarial desaparece com a introdução do real. Na área cambial, a fixação da taxa de câmbio, de forma rígida ou pelo sistema de faixas de flutuação, indica que o governo aposta em taxas de inflação próximas de zero. A sobrevivência de indexadores, como a Ufir, se deve a obstáculos legais à sua extinção.

Se por um lado a destruição dos mecanismos de indexação é necessária para evitar que a inflação inercial renasça e se desenvolva, a hipótese de inflação baixa implica riscos de ruptura dos mecanismos de apoio social da estratégia anti-inflacionária do governo.

No caso dos salários, a ausência de correções periódicas pode significar enormes perdas para o trabalhador. A rigidez na fixação da taxa de câmbio também impõe sérios riscos para o balanço de pagamentos.

Trata-se de um jogo de tudo ou nada. Permitir que a indexação continue existindo significa aceitar grande rigidez na tentativa de reduzir a inflação residual do real. Por outro lado, desindexar a economia, além de difícil, implica riscos de tensões sociais e de problemas comerciais com o exterior.

Qualquer aceno de desvalorização cambial ou de fraqueza nas reivindicações trabalhistas para reposição de perdas salariais será como uma pequena gravidez: crescerá inevitavelmente, e desembocará no parto inflacionário.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.

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