A revisão constitucional passou a ter vida própria. Recentemente, a discussão se limitava às propostas de mudanças, mas agora se questiona a revisão em si, em termos de sua conveniência e oportunidade.
Com certeza, é urgente adequar o quadro institucional brasileiro às exigências impostas pela economia moderna, integrada mundialmente, competitiva e capaz de dar início a uma nova trajetória de crescimento auto-sustentado. Nesse sentido, quanto antes começar a rediscussão das bases da nova Carta, tanto melhor.
É preciso debater aspectos importantes, como a reforma tributária, a eliminação dos monopólios estatais, a autonomia da autoridade monetária, o fim da discriminação do capital estrangeiro, um novo modelo previdenciário e uma nova divisão de tarefas entre os vários níveis do governo, entre outros.
Contudo, surgem sérias dúvidas - altamente compreensíveis - sobre a obtenção de resultados positivos. Haverá clima e ambiente político e institucional propícios para, a partir de outubro, o Congresso Nacional reverter as incongruências da atual Constituição?
Vive-se, no Brasil, situação híbrida entre presidencialismo e parlamentarismo, entre mercado e dirigismo; entre democracia e autoritarismo; entre isolacionismo e integração.
Com esse quadro, é plausível indagar sobre as condições para a revisão constitucional lograr sucesso. E ilícito esperar o engajamento sério e responsável dos membros do Congresso? A população encontra-se mobilizada para acompanhar a revisão? Em resumo, há motivação e interesse para um debate racional, é aberto?
Creio que não.
Ao contrário, a revisão constitucional apenas aprofundará as distorções contidas na atual Carta.
Mas isso poderia ser alterado se os constituintes não fossem membros do Congresso. Se em 1988 deputados e senadores fizeram uma Constituição sofrível, os erros serão repetidos, embora a composição do Congresso possa ser outra. Não se trata de uma avaliação de méritos e qualidades individuais dos parlamentares, mas, sim, de questionar se eles - em árdua preparação para o novo pleito de 1994 - terão interesse em elaborar uma Carta boa para o país, antes de se preocuparem com seus objetivos políticos individuais.
Constituições devem ser feitas por pessoas especialmente eleitas para isso, e não por quadros políticos ligados a grupos de interesse. Devem elaborá-la e, ao seu término, ser destituídos de qualquer função político-legislativa. Seria a única maneira de realizar uma Carta de cidadãos comprometidos com o país, e não restrita a políticos, justamente o segmento de menor representatividade e credibilidade entre a população brasileira.
Há duas saídas para o impasse. Ambas implicam suspender a atual revisão.
A primeira, insatisfatória, seria permitir que a revisão fosse feita por parlamentares. Não por este Congresso, mas pelo próximo, a ser eleito no ano que vem.
É uma oportunidade rara de discutir questões fundamentais para o Brasil. Afinal, as eleições de 1994 são quase gerais, e nada impede a transformação dos palanques em fórum de debates sobre os rumos do país. Com isso, os eleitores escolheriam seus candidatos, conscientes de que seriam constituintes e afinados com as suas ideias. Mais: por estar envolvido em assuntos gerais ligados à revisão, o futuro presidente estaria mais em condições de constituir maioria que lhe permitisse articular o processo constitucional, em termos parlamentares.
A segunda saída, sem dúvida a melhor, seria escolher uma assembleia revisional da Constituição. juntamente com as eleições para deputados, senadores, governadores e presidente, no ano que vem. Terminada a tarefa, essa assembleia revisional seria dissolvida, mas deixaria importante contribuição ao Brasil, por ser composta por elementos de visão nacional de longo prazo, e não míope, com as distorções da demagogia e do fisiologismo da nossa atual classe política.
Marcos Cintra, economista, professor da FGV, vereador, é titular da Secretaria Municipal do Planejamento e da Secretaria Municipal de Privatização e Parceria de São Paulo.