O ex-ministro Mailson da Nóbrega não se cansa de criticar o Imposto único. Repete as mesmas balelas de sempre, publicando artigos encomendados em série, cegas e surdos aos argumentos e às evidências que vêm sendo constantemente trazidos à discussão pública.
Em um artigo publicado na Folha em 23 de abril último, o ex-ministro volta à carga e reafirma o que disse em "Por que se busca a eutanásia tributária" (na Folha, em 7 de fevereiro): que as imposições sobre valor agregado são bons e ruins os impostos cumulativos: que bons os impostos diretos e péssimos os indiretos.
Essas conclusões dependem criticamente da existência de competição perfeita, apenas presente nos modelos teóricos de compêndios econômicos. Mas, ao que parece, o ex-ministro acredita ser essa a condição real da economia brasileira!
Em situações não ótimas, como nos ensina a teoria de "second best" e as recentes pesquisas na área da tributação ótima, não se pode afirmar a priori se os impostos em cascata ou os impostos diretos são mais ou menos eficientes.
Além disso, o ex-ministro reproduz livros-textos introdutórios de finanças públicas e afirma que o IUT é regressivo, antifederativo, prejudicial à terceirização e outras sandices mais. Fogem ao meu crítico que a circunstância do IUT ser único muda substancialmente o ângulo de apreciação. E que cumulatividade, regressividade e ineficiência alocativa são características mais propriamente aplicáveis às várias experiências com os sistemas tributários clássicos do que com o que se pretende com o Imposto único.
Por certo, todos os impostos introduzem distorções. No caso do IUT, porém, uma boa análise econômica exige a comparação dos impactos positivos e negativos do IUT com os de um sistema tributário clássico.
Por exemplo, um imposto cumulativo induz à verticalização, se comparado a uma situação de total isenção tributária. Porém, pode reduzir sensivelmente a indução de verticalização frente aos enormes impactos cumulativos do atual sistema tributário brasileiro. Hoje, quase todos os tributos aplicados no país são cumulativos. Até o ICMS e o IPI se tornam impostos em cascata quando a cadeia de débito/crédito se rompe, como ocorre com intensidade na agricultura. O Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, apurado com base no lucro presumido (uma opção permitida pela lei 8.341/92), e também a contribuição social incidem sobre o faturamento bruto com alíquota de 1,875% (3% no caso de serviços). Somando-se a isso a Cofins, o PIS, o ISS e outros tributos em cascata, chega-se aos seguintes resultados: o IUT proporcionará impacto cumulativo menor do que o da situação atual e, portanto, com impacto indutor da verticalização mais fraco do que ocorre hoje.
A carga tributária do IUT varia na razão inversa do valor adicionado em cada estágio de produção e na razão direta do número dessas etapas, o que, aliás, ocorre também no atual sistema tributário brasileiro. Recente simulação, exposta por Luiz Zoumann no texto "Imposto sobre transações financeiras: reflexões e simulações" publicado em Brasília, em 1992, considerou até 15 etapas produtivas, com suposições de valor agregado por etapa entre 20% e 200%.
A conclusão foi que a carga tributária do IUT varia de 2% a 10,3%.
Por outro lado, considerando-se apenas o ICMS, o Finsocial, o PIS e as contribuições ao INSS (sem IPTU, ISS, IR, IPI e outros), a sistemática atual brasileira impõe cargas com variação de 24% a 30,7%.
Por certo, bem melhor seria uma estrutura cumulativa com cargas tributárias máximas em torno de 10% em vez de uma estrutura de impostos sobre valores agregados com cargas de mais de 30%. Qual a estrutura mais eficiente do ponto de vista alocativo, se ambas arrecadam o mesmo volume de recursos?
Embora a atual estrutura tributária esteja longe de ser neutra nos preços relativos, ainda permanece a questão do impacto diferencial do IUT. Mas é inequívoco que nele a cunha fiscal cairá de forma generalizada, reduzindo custos e preços.
Conclui Zoumann, o autor das simulações, que "cairá por terra outra preocupação relativa ao IUT. A da distorção que imporia aos preços relativos. Na verdade, será bem inferior à do sistema vigente, ainda que extraíssemos todos os impostos em cascata. Afinal, em nenhuma das hipóteses consideradas, a carga fiscal por ela gerada chega próxima nem sequer à do ICMS, imposto que, por sinal, não chega a ser nem universal nem neutro. Claro fica, por todas essas razões, que os efeitos negativos do IUT só deverão ser fonte de preocupação se esse imposto vier a ser adotado não como um substituto dos impostos indiretos vigentes, mas, sim, como mais um imposto, a se somar a outros tantos que hoje incidem sobre as atividades formais do sistema econômico brasileiro."
Com respeito à outra crítica do ex-ministro, sobre impostos indiretos, vale lembrar a tendência atual de ampliação daqueles tributos. Entre nós, tem se destacado o apoio a essa tese pelo conhecido tributarista Ives Gandra.
De fato, os indiretos são mais fáceis de ser cobrados e encontram menos resistência do contribuinte por estarem embutidos no preço das mercadorias. Ao igualarem preço a suas respectivas utilidades marginais (para maximizar suas funções de utilidade), os consumidores encontram estímulos à sonegação. Ademais, a usual progressividade exagerada dos impostos diretos trava os investimentos e desestimula o crescimento da produção e do emprego. Sem falar no estímulo à sonegação, por serem cobrados por declaração e sem contrapartida direta de bens e de serviços.
Diz Mailson da Nóbrega que o IUT é inflacionário. Mas cabe aqui indagar seu padrão de comparação. Será relativamente ao atual sistema tributário? É néscia a afirmação, já que o IUT substituirá os demais tributos existentes no país. Ademais, para quem revela em seu passivo profissional o mais grave surto hiperinflacionário na história do país, é no mínimo incauto tocar nesse assunto.
Outro grave equívoco do ex-ministro: ele pensa que só existam as formas usuais de créditos fiscais para desonerar as exportações e aduz que os impostos cumulativos prejudicam as exportações e favorecem as importações. É lamentável a ignorância da técnica de rebates fiscais, em uso em vários outros países exportadores do mundo.
Com um pouco de habilidade, os críticos do Imposto único podem ser inadvertidamente transformados em colaboradores, ainda que contrariados. Cada crítica repetida é uma nova oportunidade para apresentar argumentos a favor do Imposto único.
Em "Do hospício ao caos tributário" (na Folha, em 23 de abril), o ex-ministro se refere ao IUT como "uma ilusão espertamente usada com objetivos eleitorais". Certo e legítimo que isso ocorra, pois, ao defender sua implantação, acredito estar prestando um serviço ao país. Só minhas convicções me impelem a fazê-lo.
O mesmo não pode dizer do ex-ministro, que calibra suas críticas aos reclamos de seus patrocinadores. Aproveita-se financeiramente do Imposto único. Falta a Mailson da Nóbrega independência para criticar.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 47, é secretário do Planejamento de São Paulo, doutor em economia pela Universidade de Harvard (EUA) e professor titular da Fundação Getúlio Vargas (SP).