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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Brasil, Portugal e a CEE

Apesar dos íntimos laços que o Brasil e Portugal mantêm entre si, nunca foram parceiros comerciais importantes, pelo menos na história recente. As importações portuguesas provenientes do Brasil andam na casa de 2%; as exportações portuguesas com destino ao Brasil raramente superam a marca de 1%. Pelo lado brasileiro, essas cifras são ainda mais insignificantes. Menos de 0,5% das importações brasileiras vêm de Portugal, e menos de 0,5% das exportações do Brasil têm aquele país como destino. São cifras inexpressivas, uma centena e meia de milhões de dólares anuais. No entanto, as relações econômicas entre Brasil e Portugal nunca mereceram tanta atenção como agora.


Quanto aos investimentos externos, Portugal e Brasil também estão longe de mostrar a mesma solidariedade que exibem em suas relações culturais e afetivas. As inversões brasileiras em Portugal foram desprezíveis em 1985; em 1986 chegaram a modestos US$ 2 milhões (1% do total de investimentos externos efetuados naquele ano); em 1987 aumentaram para US$ 12 milhões (2,8% do total). São cifras inexpressivas. No entanto, os fluxos de investimentos entre Portugal e o Brasil são hoje debatidos como nunca foram anteriormente. Por quê?


O ingresso de Portugal na Comunidade Econômica Europeia (CEE) colocou aquele pequeno país, de apenas dez milhões de habitantes e com Produto Interno Bruto (PIB) de tão somente US$ 30 bilhões (um décimo do PIB brasileiro), dentro da maior potência comercial do mundo. Ao ser integrado no grupo dos 12 da Europa, Portugal adquiriu uma nova dimensão. Não se trata mais de uma pequena economia, mas sim de uma pequena região numa economia gigantesca.


Portugal e Brasil são dois países que, apesar de todas suas diferenças estruturais, se incluem na categoria de economias de renda média. Per capita, o PIB português está próximo de US$ 3 mil anuais, e o brasileiro, de US$ 2.100. Nestas circunstâncias, não é atípico que os fluxos econômicos de economias neste intervalo de renda sejam mais intensos com as economias do mundo industrializado do que entre elas mesmas.


Esta acentuada assimetria está em vias de ser fraturada pela nova posição assumida por países como Portugal, com consequências que poderão ser mais profundas do que um mero rearranjo de blocos comerciais. São perspectivas de um novo padrão de relacionamento econômico, envolvendo países fora do núcleo central da economia mundial.


Outras questões igualmente relevantes se colocam na discussão. Como avaliar o impacto concreto da formação do Mercado Comum Europeu nas exportações brasileiras? Que efeito acarretará no europrotecionismo, que já impõe a países como o Brasil enormes dificuldades para se inserir no mercado mundial? É provável que obstáculos à maior penetração nos mercados europeus sejam fortalecidos. Neste caso, como agir no sentido de manter o "drive" exportador de nosso país? Que papel nos resta, uma vez que não nos inserimos nos grandes blocos comerciais do mundo - a CEE, o Sudeste Asiático ou a América do Norte?


Há outras questões. Como explicar que um país como o Brasil - carente de capitais e tecnologia, com um mercado interno potencial ainda em grande parte inexplorado, com terríveis níveis de pobreza e com péssima distribuição de renda - em vez de atrair investimentos externos para expandir seus níveis de produção doméstica, comece a pensar em investir no exterior, exportando recursos para nações com níveis de renda per capita mais elevados, como Portugal e Espanha?


A resposta está nas novas formas de produção que se observam no mundo moderno. Está na internacionalização do processo produtivo, nos mercados globais e no fato de que investimentos no exterior significam alavancar a produção doméstica, pois potencializam as perspectivas de exportação de peças, componentes e produtos semi-acabados produzidos no Brasil.


Essas, e muitas outras, serão as grandes interrogações, os grandes desafios que se apresentam para o Brasil. Após o milagre brasileiro da década passada, vê-se hoje que o país passa a desempenhar um papel periférico, com a perda de grande parte daquele impulso de expansão que caracterizou a nossa economia até poucos anos atrás. Como superar esta fase crítica de nossa história econômica? Como impedir que esse clima modorrento venha a dominar nossa economia, inviabilizando um futuro que até pouco tempo atrás se apresentava ao mundo como um dos mais dinâmicos e promissores?


Na solução a estas perguntas, não se pode deixar de definir uma estratégia para o Brasil na economia moderna, nem de contemplar a presença do Mercado Comum Europeu, a mais nova força econômica e geopolítica mundial.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico da Folha.

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