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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Economia vai resistir aos artigos cartorialistas da nova Constituição

A avaliação de um novo texto constitucional se faz na prática, e não em tese. Apenas após sua promulgação, será possível verificar seus efeitos concretos na economia. Isso porque no Brasil o império da lei é relativo. Mesmo a lei maior, a Constituição, não logra respeito exclusivamente pelo fato de ser a Constituição. Necessita ser aceita. Pode ser uma criticável característica brasileira, mas pode, também, constituir o sistema imunológico da sociedade - os anticorpos contra a demagogia, a incompetência e a falta de espírito público.


Uma apreciação geral sobre os dispositivos constitucionais aprovados mostra que foi mantida a maioria dos vícios econômicos com os quais o Brasil sempre conviveu. Por outro lado, foram introduzidas importantes inovações, reclamadas com insistência pela sociedade. Manteve-se um Estado cartorial, paternalista e absorvente; preservaram-se privilégios e ampliaram-se equívocos antigos. Mas também foram introduzidos aperfeiçoamentos importantes, principalmente no controle do Executivo, antes excessivamente poderoso.


Avanços e retrocessos. Não se deve esperar que surja uma nova economia, melhor ou pior.


Na área das relações trabalhistas pouco foi feito que implique impactos significativos. As garantias dos trabalhadores foram marginalmente ampliadas. Fugiu-se do absurdo da estabilidade de emprego e do redistributivismo inconsequente, que apenas levariam à expansão da economia informal.


A robusta presença do Estado na economia foi confirmada. Foram mantidos os principais monopólios públicos, e pouco se fez para tornar a economia mais aberta, mais competitiva. O governo continua a prometer direitos que não pode garantir. Mantém-se uma equivocada combinação entre a iniciativa privada e o intervencionismo estatal.


No campo tributário, privilegiou-se uma descentralização de receitas há muito reclamada - porém sem uma clara redivisão de responsabilidades. O Legislativo ganhou novos poderes na elaboração e controle dos orçamentos públicos, limitando o arbítrio com que antes eram administradas as finanças públicas. Em compensação, dispositivos como a fixação do teto de 12% nas taxas de juros comprovam evidentes concessões à demagogia irresponsável, mas que acabarão sendo rejeitadas na prática.


Nas relações econômicas com o exterior, reafirmaram-se políticas falidas - como a reserva de mercado e a discriminação aos capitais estrangeiros - prejudicando, concomitantemente, a expansão do emprego e a geração interna de renda.


Não será da nova Carta que virão os impulsos necessários para a superação da crise econômica brasileira. Os atuais impasses persistirão, pois para superá-los é preciso muito mais. Por outro lado, ao ser promulgada, não se estará alterando a ordem econômica vigente, como muitos temiam que poderia ocorrer. Estão refletidas nas decisões dos constituintes todas as contradições que fizeram o Brasil o que ele é hoje: uma economia pujante, dinâmica e diversificada, porém tolhida por uma teia de irracionalidade, injustiça e corrupção.


Não é uma Constituição lesiva, no seu todo; mas desastrosa em alguns de seus detalhes. Embora não deva causar grandes transformações a curto prazo, poderá minar lentamente o potencial de desenvolvimento do país. Não irá inviabilizar a economia, mas também pouco fará para transformar o Brasil num país moderno e integrado na economia mundial.


Em 1993, haverá uma outra oportunidade de reforma, quiçá a mais sábia das decisões constitucionais. Até lá, resta a esperança de maior amadurecimento das instituições econômicas brasileiras. Cabe à sociedade, neste interim, avaliar, para então reforçar, o que há de positivo. Os absurdos se auto-destruirão.

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