Como vem acontecendo há décadas, o tema volta à baila neste início de ano, sobretudo após as reiteradas promessas eleitorais do governo de que "agora vai".
Espero que sim. Para alguém que, como eu, acompanha e participa intensamente deste debate desde 1990, seria útil aproveitar esses anos de aprendizado para trazer à consideração da sociedade algumas lições aprendidas e contribuir para evitar perda de energia com a repetição de erros.
Desejo abordar neste espaço quatro lições que aprendi, e oferecer quatro conselhos.
A primeira lição, que assimilei após alguns anos de bateção de cabeça, é não agredir nosso pacto federativo. Certo ou errado, em nossa Constituição as competências tributárias foram repartidas e distribuídas entre os três níveis federativos, ou seja, União, 27 estados e 5.570 municípios.
Eu mesmo propus em 1990 um imposto único nacional achando que conseguiria suplantar uma tradição que vem desde a Constituição de 1891. Não há como alterar isso por conta de uma revisão tributária. E há justificativas plausíveis para essa impossibilidade, qual seja, a opção exigida pelos governos eleitos de poderem formular democraticamente suas próprias políticas tributárias.
Há inegáveis vantagens na unificação de impostos em termos de economicidade e de transparência. Desistir de reduzir o número de tributos, quando possível, seria pura insensatez.
E aqui vem o conselho correspondente. As vantagens da unicidade devem ser buscadas horizontalmente, ou seja, unificando tributos por nível federativo, mesmo que com bases de incidência diferentes, ao invés de unificá-los verticalmente, por bases de incidência iguais em níveis federativos distintos, como vem sendo tentado.
A segunda lição aprendida se refere à premissa da não-cumulatividade, considerada uma necessidade imperativa e absoluta para garantir eficiência.
Há um trade off entre eficiência e economicidade.
Coeteris paribus, a não-cumulatividade reduz distorções alocativas. Contudo, ela sempre gera altos custos de compliance, mais complexidade e litigiosidade.
A intensidade dos efeitos da cumulatividade depende: 1) da alíquota e 2) da relação entre valor agregado e valor dos insumos em cada elo da cadeia de produção. Assim, as distorções da cumulatividade geradas por uma alíquota baixa e por um processo produtivo com alta agregação de valor podem ser baixos relativamente aos custos de compliance da não-cumulatividade.
O conselho correspondente é que antes de qualquer modelagem tributária há que se pesar os efeitos do trade off "eficiência versus simplicidade", e assim evitar que a não-cumulatividade se torne um dogma, de resto destituído de validade universal fora de um ambiente econômico heurísticos, encontrado apenas em livros textos universitários.
A terceira lição, duramente assimilada, é que tributação é o resultado de uma escolha feita pela sociedade, e envolve considerações de ordem social, política, econômica, cultural, moral e jurídica. A racionalidade econômica não sobrepuja as demais.
Ao longo dos últimos anos o processo de negociação tem sido altamente conflituoso. Os projetos encaminhados ao Legislativo são patrocinados por grupos de interesse, mas que frequentemente desconsideram os efeitos de deslocamento de carga tributária em desfavor de outros. O debate com os setores que se acham prejudicados ocorre em geral pela imprensa, com ecos no Congresso, mas destituído de um processo de solução de conflitos capaz de produzir convergência de interesses em prol da sociedade como um todo.
O conselho neste caso parte do fato de que bons resultados dependem de um jogo cooperativo, capaz de gerar consensos ao invés de vetos. Nada contra a apresentação de projetos que representem visões peculiares a setores específicos da sociedade. Contudo, a partir dessas propostas, há que haver um entendimento, um pacto tributário, capaz de produzir um projeto minimamente articulado entre todos os agentes econômicos, e somente então apresentado ao Legislativo para uma democrática apreciação.
Finalmente, a lição que evidencia um vácuo no debate tributário ao longo de décadas: a sobrevivência do sistema previdenciário nacional, que ameaça levar o país à inadimplência fiscal. Trata-se da maior despesa orçamentária brasileira, com déficits crescentes e explosivos.
Não há como discutir uma reforma tributária sem considerar a evidente erosão da base de financiamento previdenciário: a esclerosada folha de salários convencional e o já tributado lucro corporativo. A tecnologia, a demografia e as desigualdades evidentes em nossa sociedade conspiram contra a solvência do sistema previdenciário e clamam por uma nova base de financiamento.
O conselho correspondente é que reforma tributária está fadada ao insucesso se ignorar a busca de um novo mecanismo de financiamento previdenciário. Que se busquem alternativas viáveis, e como contribuição deixo aqui minha antiga, insistente e insolente proposta: a introdução da tributação da movimentação financeira em substituição a todas as incidências sobre folha de salários, tanto do empregador, mas principalmente do empregado.
Estimo que cerca de 25 a 30% do PIB brasileiro estejam total ou parcialmente na informalidade, na evasão, na sonegação e na criminalidade, ou seja, na economia subterrânea. Ao serem alcançados pela tributação sobre a movimentação financeira serão incorporados ao universo de contribuintes, passarão a pagar impostos e assim permitirão a redução de carga tributária suportada pelos atuais contribuintes. E mais, acaba com a mais danosa incidência em nosso sistema tributário, a cobrança de impostos sobre a geração de novos postos de trabalho.
Artigo publicado em: Consultor Jurídico